segunda-feira, 31 de março de 2008

“Revez s’il vous plâit”: sonhe, por favor



Alan Viana e Jackson Just vivem
fábula às avessas em sarau itinerante

Texto: Sandro Gomes
Fotos: Pedro Guerra

Imperceptível e espontaneamente, eles “reescreveram” o enredo de “A Cigarra e a Formiga”, uma das fábulas mais conhecidas do poeta francês La Fontaine. Suas estórias de vida encaixam-se com perfeição às personagens, porém ao avesso. De um lado a formiga, vivida pelo poeta performista Alan Viana, de 19 anos. De outro a cigarra, encarnada pelo músico e compositor Jackson Just, 40. Tudo aconteceu no dia 25 de março, durante a abertura do primeiro Sarau Itinerante, realizado no hotel Le Canard, numa promoção da Biblioteca Rolf Colin, a segunda maior do Estado.
Na obra de La Fontaine, a formiga trabalha o verão inteiro para garantir o sustento durante o inverno. Já a cigarra não pensa em outra coisa senão em cantar e dançar. Até que o inverno vem e traz o desespero, obrigando a cigarra a pedir ajuda à formiga para não morrer de fome e frio. “Eu cantava noite e dia, toda hora”, queixava-se a cigarra. “Bravo! Se cantava, dance agora”, bronqueava a formiga.
Durante o sarau, Viana declamou com maestria a versão original da fábula, em português e francês. Porém, mal sabia o poeta performista que estava prestes a transformar-se num personagem fabuloso. Por seu aspecto físico, magro e com óculos de generosas lentes, metaforicamente o jovem faz lembrar a esforçada formiga. A semelhança é mais forte no esforço e dedicação.
Autista, o garoto decorou todo o texto da apresentação numa única tarde de estudos, apesar de não dominar o idioma francês. Um minuto após a declamação, ainda emocionado com os aplausos da platéia, Viana encontrou-se com sua professora de francês. Fabiane Fiamoncini acabara de chegar e não viu o desempenho do aluno. Entre lamentos e desculpas, confirmou orgulhosa: “ele fez tudo isso em uma tarde”.
“Crônicas de um autista” marcou sua primeira apresentação no sarau, em 2006. Desde então Alan apresenta “suaves parcelas” de seu “universo”. Dedicado, passou no vestibular da Univille para Letras. Por falta de condições financeiras, não se matriculou. “Foi tempo perdido”, disse. Mesmo assim, feito a formiga que nunca desiste, ensina: “Revez s’il vouz plâit”, ou seja, “sonhe, por favor”.

A vez da cigarra


Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que Alan Viana declamava, no fundo do auditório do Le Canard o músico e compositor Jackson Just dava entrevista sobre o bom momento que vive em sua carreira. Feito a cigarra de La Fontaine, ele também “dançou”, porém de felicidade. Aos 40 anos, foi o primeiro colocado no Canta Giro, terceiro maior festival de música da Itália, onde reside atualmente.
Jackson nem precisou bater no formigueiro para receber ajuda. O prêmio caiu do céu. Como faz há anos, ele cantava em uma casa de show na cidade italiana de Belluno. Na platéia, o compositor Carmine Caprera o observava. Ele gostou do estilo de Jackson e após a apresentação disse que presentearia o joinvillense com uma composição especial, para que participasse do festival.
A música era Cerca L’amore - À procura do amor. Jackson cantou e ganhou. A conquista saiu em matéria especial na revista internacional Free Time, nas páginas centrais, em duas edições consecutivas. Graças ao feito, ocorrido em agosto de 2007, o músico foi convidado para participar do Festival San Remo, o principal da Itália, realizado no dia 28 de fevereiro.
Com o sorriso nas antenas, Jackson veio a Joinville para passar a Páscoa com a família e ajustar detalhes na gravação de um Cd em italiano, com 12 canções inéditas, no qual irá investir R$ 75 mil. Uma das compositoras é Mariela Nava, que compôs Per Amore, gravada por Zizi Possi.
Nesta terça-feira, 1° de abril, ele retorna à Itália, onde divide seu tempo entre a música e o trabalho numa agência de recursos humanos que representa brasileiros. Para mais informações sobre a cigarra, digo, músico, acesse o site www.jacksonjust.com.br.

Mais artistas - Além da fábula às avessas protagonizada por Jackson e Alan, outras atrações foram oferecidas ao público. A Sociedade Lírica de Joinville trouxe uma dança folclórica alemã. Na seqüência foi a vez da alma sensível de Angelina Domingues expor seu dom para a poesia. Ilka Denk, fundadora da Aplaj - Associação dos Artistas Plásticos de Joinville falou sobre suas andanças pelo Brasil e o fotógrafo autodidata Jorge Silva recobriu uma parede do auditório com algumas de suas películas. Em abril o sarau será realizado no Circollo Italiano; em maio, provavelmente na Sociedade Lírica, com ênfase à cultura germânica e em junho no Kibe’s, apenas sobre a cultura árabe.


Grande biblioteca
Com 47 mil livros e cerca de 600 visitantes diários, a Biblioteca Rolf Colim é a segunda maior de Santa Catarina. Perde apenas para a Biblioteca Pública de Santa Catarina, de Florianópolis. Fazer a divulgação do acervo é um dos objetivos do Sarau Itinerante, que pela primeira vez acontece num espaço alternativo, conforme a coordenadora Alcione Pauli.
Desde 2003 o evento é realizado nas dependências da biblioteca, com a participação de parceiros como Circollo Italiano, Fundação Cultural, Aliança Francesa, Casa da Cultura, entre outros. “O sarau também é uma forma de fomentar a cultura e até mesmo a própria leitura”, diz Alcione.
Alcione reconhece que no acervo da Rolf Colin há livros-mofos, mas que mesmo entre estes há muita coisa boa. “Tem gente que vem de Florianópolis para pesquisar em nossa biblioteca, que é referência em filosofia e história, por exemplo”, afirma. Já o diretor da biblioteca, Reginaldo Jorge, lembra que cada leitor pode tirar até quatro livros por dia.

Borboleta triste
“O Sino” chegou ao hotel Le Canard às 19h45, 15 minutos antes de iniciar a programação do sarau. Na recepção do hotel, duas jovens com trajes germânicos aguardavam a chegada do restante de seu grupo, da Sociedade Lírica, outra atração da noite. Dezoito degraus abaixo, nula ante-sala, visitantes assinavam o livro de presença. Entre elas uma jovem com uma borboleta tatuada nas costas. Rosemeri Alves de Castro, da Biblioteca Rolf Colin, recepcionou a reportagem. Logo uma figura exótica apareceu: “Eu vi o e-mail e me organizei”, disse Cid Santana, um “amadoristicamente declamador”, como ele se auto-intitula. “Você não imagina como estou feliz com a sua presença em nosso primeiro sarau”, disse Rosemeri ao declamador. “Queria ter pescado um poema, em francês; um Vitor Hugo...”, respondeu Cid, com ar descontente por apenas estar na platéia.
Foto 1 - Alan Viana interpreta a fábula "A Cigarra e a Formiga", de La Fontaine
Foto 2 - Jackson Just exibe matéria publicada nas páginas centrais da revista Free Time, sobre sua conquista no festival Canta Giro
Foto 3 - Reginaldo Jorge e Alcione Pauli, da biblioteca Rolf Colin, recepcionaram os visitantes

Um comentário:

O SINO disse...

Caros colegas!

Tentei acessar o web disco, em busca das fotos para ilustrar a matéria. Infelizmente - desconheço as razões - não foi possível. Até acessei o wd, mas não localizeis as pastas necessárias.
Nesta terça-feira, creio que o problema será resolvido. Ainda bem que é um blog... Imaginou se fosse impresso, o tamanho da encrenca?

Lamento!

Sandro Gomes