quarta-feira, 14 de maio de 2008

Consumo de drogas é ignorado na noite do centro de Joinville

Caligrafia de Iolanda Dubial



Sem casa, sem emprego e sem perspectivas, moradores de rua convivem com a droga

Luiza Martin



Sob a marquise do banco Bradesco, vivem os excluídos. O espaço que ocupam tem, aproximadamente, 246 metros quadrados. A maioria dos que dormem na calçada do banco, situado na esquina da rua XV de Novembro com a Dona Francisca, é usuária de drogas. Na noite fria do dia 13 de maio, com termômetro marcando 15º, “Mc PP”, fumou crack sentado no beiral do jardim do Bradesco, sem medo de espectadores e de polícia.

Enquanto a renda per capita do Joinvilense é 18.785 reais, segundo pesquisa do Ibge (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) feita em 2005, os moradores do Bradesco não arrecadam nem 10% desse valor. A maioria perdeu a profissão por causa do vício. Dentre eles, Mc PP, que tem 28 anos, ficou desempregado há dois meses. Era garçom. Todo dinheiro que já conseguiu gastou com drogas. Cansado, Mc desabafou: “O Brasil é uma desigualdade”.

Iolanda Dubial - “Neguinha” - contou que, para comer, cata latas de alumínio e as troca por cachorro-quente ou pede por alimento nos botequins. Aos 29 anos, ela mora na rua sem a filha, Ana Carolina Dubial (uma das crianças abrigadas pelo Lar Abdom Batista). O que a fez abandonar sua casa foi a morte da mãe, Maria dos Prazeres Dubial, e saber da verdade: era filha adotiva. Moradora das cercanias do hotel Tannenhof, Iolanda se sentiu “humilhada” pela polícia que “só espanca”.

"Venha ser o rei do nosso castelo”, convida o site do hotel em que Iolanda dorme. O luxo, digno de um monarca, não se restringe apenas ao Tannenhof. O Bradesco lucrou, em 2007, a fortuna de 8 bilhões de reais, número 888 vezes maior que o PIB (Produto Interno Bruto) de Joinville (Ibge, 2005). Outro investimento lucrativo é o tráfico, que não está sujeito a impostos e possui mais de 144 pontos de distribuição em Joinville. Tal número superou o de drogarias reunidas pela lista telefônica – são 125 na lista online.

De acordo com a Policial Militar, Elaine Soares, “já não é crime usar drogas, mas traficar continua sendo”. Isso porque, usuários presos não passam muito tempo em cárcere. Sobre os moradores de rua, ela comentou que se drogam e bebem, porém nunca ameaçaram ninguém. A outra Policial de plantão, Roseléia de Sousa, concordou com Eliane e disse “não são eles que incomodam”, e sim aqueles que fingem ser pobres para conseguir dinheiro. Na ronda noturna das 19 a uma hora, o tráfico e consumo de entorpecentes não foi o alvo.

Quem observou o movimento debaixo do bilionário Bradesco, percebeu o que Silvana Vieira, empregada doméstica salientou: “a polícia não viu o tráfico”. Silvana, que esperava carona, junto ao filho, desde 18 até 21 horas, notou a presença de alguns meninos pedindo dinheiro no auto-atendimento do banco. Queriam comprar drogas. Um deles “parecia ter 11 anos, a idade de Cess Jonathan (seu filho)”, exclamou perplexa. “A maioria gosta de viver na rua”, ela afirmou. De fato, Cláudia, 18 anos, gostou de ficar na calçada do banco. Ela preferiu a rua à convivência familiar, que deixou há dez anos.



O rap de Mc PP


Não sabia que era terça-feira, 13 de maio. Ele, “Mc PP”, acordara com a mão esquerda paralisada. A falta de movimento, atribuiu às drogas. As unhas e os dentes sujos, contrastavam com as roupas que vestia. Não estavam limpas, mas bem cuidadas. Usava boné torcido para a esquerda, camisa social por cima da camiseta, calça larga e tênis.

Pediu um isqueiro ao homem que conversava com a mulher sentada dentro do “carro de reciclagem”. Conseguiu uma lata de refrigerante. Reuniu, sobre quatro furos feitos na lata, as cinzas do cigarro que fumara. Acima do resto de cigarro colocou a pedra de diâmetro menor que 5 milímetros. Acendeu a chama do isqueiro. Aproximou-o das cinzas. Depois disso disparou dez frases desconexas, confessou que fora preso por sete anos por roubo e continuou o rap:



Quarta-feira de tristeza
(que dia que é hoje?)
Muita tristeza
Num só coração
Abandono da minha família
Abandono dos meus irmãos
Mas não dá nada
Eu fico nessa solidão
O que importa é
Que Deus
Que Jesus está no meu coração
Se eu preciso de dinheiro
Ou comida
Ele nunca me deixou só
Conto uma história real para você
Ouvinte
Você que vai ler
Você tem que ter muito peito
Muita coragem para sobreviver
(...)
A vida na rua é tristeza
abandono, sofrimento

2 comentários:

Felps disse...

Genial, Luiza!
Texto envolvente , comparações e dados interessantes e uma vontade de abrir os olhos de quem faz questão de fechar.
Parabéns.

P.S.
Tô impressionado com os textos das meninas desta disciplina.

Priscila Carvalho disse...

Esse texto maravilhoso só poderia ser construção da geniosa Luiza. Os dados se encaixam perfeitamente, os personagens interagem muito bem e os dados "absurdamente estarrecedores" dão um tom especial ao tema abordado, que merece essa dicotomia. É a ambigüidade onipresente nos pobres moradores do Bradesco...Parabéns, mais um vez. Você merece!